Inteligência artificial na moda: representações e aplicações

*A imagem utilizada nesse artigo foi criada por uma inteligência artificial generativa.

Um dos impactos mais discutidos sobre o crescimento exponencial do uso da inteligência artificial (IA) nos últimos anos tem sido a transformação do mercado de trabalho e de diversas indústrias, especialmente aquelas de cunho criativo e intelectual. Como abordamos em postagem anterior, as indústrias de produção audiovisual e de literatura vêm enfrentando conflitos desde o advento da IA generativa (IAG). No audiovisual, por exemplo, a movimentação de grandes estúdios produtores para utilizar ferramentas de IAG em detrimento do valor do trabalho de escritores, roteiristas e atores motivou a maior greve recente do sindicato de roteiristas dos Estados Unidos (Writers’ Guild of America).

Por outro lado, a transformação de indústrias criativas a partir da IA também propicia a inovação por parte de artistas que passam a utilizar a IA como ferramenta para explorar novas técnicas e ideias, mas mantendo o próprio protagonismo enquanto criadores. Na moda, a marca francesa Coperni tem se destacado pelo uso da tecnologia (de diferentes tipos) como performance artística em seus desfiles.  Na Paris Fashion Week (PFW) de setembro de 2022, a marca viralizou com a confecção em tempo real de um vestido na modelo Bella Hadid, com aplicação em spray de tecido pulverizável.[1] Na PFW seguinte, a performance da marca envolveu a robótica, com os robôs-cães Spot da empresa americana Boston Dynamics caminhando na passarela ao lado dos modelos. No trecho mais marcante do desfile, uma modelo aproxima-se de um dos robôs como se fosse beijá-lo, o robô retira sua jaqueta e a devolve. Em outros momentos, modelos receberam dos Spots as bolsas da marca.[2] Segundo a W Magazine, as notas do programa aludiam ao conceito de homem e máquina trabalhando juntos.[3]

Na última PFW, em setembro de 2023, a incorporação da tecnologia no desfile da Coperni foi menos performativa. Aqui, a marca integrou a IA em dispositivos vestíveis e discretos: os AI pins da empresa Humane.[4] De acordo com a apresentação na TED do co-fundador da Humane, Imran Chaudhri, trata-se de wearable device com sensores e IA, mas sem telas, e que, diferente de um smartwatch, não precisa estar conectado a um smartphone. A Humane aposta na eliminação das telas como barreira entre a tecnologia e o mundo real, e pretende que o AI pin substitua o smartphone.[5]

A incorporação da tecnologia nos desfiles da Coperni parece sugerir a inextricabilidade da tecnologia de quase todos os aspectos da sociedade atual: tanto a moda quanto a tecnologia, incluindo robótica e IA, são elementos essenciais do nosso zeitgeist.

No entanto, a tecnologia – e especificamente a IA – faz-se cada vez mais presente na moda não só do ponto de vista artístico, mas econômico. Segundo um relatório da McKinsey, a IAG poderá acrescentar entre 150 e 275 bilhões de dólares aos lucros operacionais dos setores da moda e do luxo nos próximos três a cinco anos. A IAG tem o potencial de afetar todo o ecossistema da moda, podendo ser aplicada para criar designs com maior sucesso comercial, reduzir custos de marketing, ‘hiperpersonalizar’ as comunicações com os clientes e acelerar processos, além de remodelar a cadeia de fornecimento e logística, as operações de loja e as funções de organização e suporte.[6] A aplicação da IAG como ferramenta de design vem sendo promovida na indústria. Com esse objetivo, foi promovida a AI Fashion Week em abril de 2023: uma semana de moda com coleções virtuais produzidas com IAG, em que os designers competiram pelo prêmio de ter sua coleção produzida fisicamente e distribuída pelo grupo varejista Revolve.[7]

                Assim, a IA já está representada na moda como parte do quadro cultural contemporâneo, e já é aplicada no setor como ferramenta de produção. No entanto, essa aplicação da IA na indústria da moda ainda tende a crescer. Embora essa indústria pareça abraçar a tecnologia por seu potencial de inovação e aceleração de processos, questões econômicas ligadas ao mercado de trabalho ainda podem emergir conforme a tecnologia seja colocada em prática, a exemplo de outras indústrias criativas.

 

[1] Fonte: https://exame.com/pop/como-funciona-o-vestido-de-spray-usado-por-bella-hadid/. Acesso em 13/10/2023.

[2] A gravação do desfile está disponível em: https://coperniparis.com/pages/autumn-winter-2023. Acesso em 13/10/2023.

[3] BATEMAN, Kristen. How Coperni Doubled Down on Tech and Fashion for Fall 2023. W Magazine, 5 de março de 2023. Disponível em: https://www.wmagazine.com/fashion/coperni-fall-2023-paris-fashion-week-review. Acesso em 11/10/2023.

[4] DAVIS, Wes. The Humane Ai Pin makes its debut on the runway at Paris Fashion Week.  The Verge, 30 de setembro de 2023. https://www.theverge.com/2023/9/30/23897065/humane-ai-pin-coperni-paris-fashion-week. Acesso em 11/10/2023.

[5] The Disappearing Computer: An Exclusive Preview of Humane’s Screenless Tech – Imran Chaudhri. TED, maio de 2023. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=gMsQO5u7-NQ. Acesso em 13/10/2023.

[6] Generative AI: Unlocking the Future of Fashion, McKinsey & Company, 8 de março de 2023. Disponível em: https://www.mckinsey.com/industries/retail/our-insights/generative-ai-unlocking-the-future-of-fashion. Acesso em 13/10/2023.

[7] SCHULZ, Madeleine. What to expect at the first AI Fashion Week. Vogue, 5 de abril de 2023. Disponível em: https://www.voguebusiness.com/technology/what-to-expect-at-the-first-ai-fashion-week? Acesso em 13/10/2023.

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