CADE reafirma padrão de prova envolvendo cartéis

No contexto de infrações à ordem econômica, o cartel é considerado um ilícito per se. Isso significa que há presunção absoluta de que a conduta traz potenciais efeitos negativos à concorrência, de modo que a comprovação da participação na conduta é suficiente para caracterização da infração. Na 209ª Sessão Ordinária de Julgamento (8 de março), o Conselho Administrativo de Defesa Econômica reafirmou, em nova decisão do Tribunal, o padrão de prova exigido para que representados sejam condenados por cartelização. O caso envolvia a formação de cartel entre fabricantes de sistemas térmicos automotivos para o mercado nacional, entre 1999 e 2010.

Apesar de o Conselheiro Relator Sérgio Costa Ravagnani ter proferido voto condenando
as empresas por participação no cartel, o Presidente Alexandre Cordeiro pediu vistas do processo para aprofundar a análise do conjunto probatório; o parecer opinativo da Procuradoria Federal ao CADE já havia considerado o conjunto probatório insuficiente para a condenação das empresas.

Discutiu-se em julgamento a utilização de provas indiretas e unilaterais para acondenação das empresas investigadas.

Provas indiretas: são aquelas em que a conclusão não decorre diretamente da evidência apresentada, mas de uma inferência derivada dessa evidência.

A jurisprudência do CADE permite condenações por participação em cartéis que sejam baseadas exclusivamente em provas indiretas, mas em situações em que o conjunto probatório atinja o standard. O Tribunal tem sido bastante rigoroso na análise do padrão probatório nos casos em que não há provas diretas que corroborem as evidências circunstanciais.

Assim, é necessário que as provas indiretas se reforcem e corroborem de maneira holística e não isolada as inferências realizadas.

Provas unilaterais: são aquelas produzidas ou registradas por apenas uma parte do processo.

A jurisprudência do CADE considera as provas unilaterais relevantes para a compreensão da dinâmica dos fatos na prática de cartéis. Contudo, para servirem de apoio à decisão condenatória, devem ser corroborados por outras evidências.
Além disso, esse tipo de prova deve ser considerado com parcimônia, e sempre em conjugação com outros elementos.

Esse cuidado é particularmente necessário quando a prova decorrer de acordos de leniência, e não deve, sozinha, ser utilizada para a condenação de representados.
Ao final, o Tribunal considerou que o acervo probatório do caso era baseado extensamente em provas unilaterais (e.g. comunicações internas das empresas que assinaram acordo de leniência) e que essas provas somente relatavam a participação das
demais representadas no conluio e em reuniões agendadas entre os agentes. Além disso, parte das provas sugeria rivalidade entre as empresas, o que serviria de indício para descaracterizar a cartelização. Dada a natureza das provas apresentadas, o

Tribunal considerou que os testemunhos indiretos (hearsay evidence) oferecidos como prova não eram elementos suficientes para a condenação das representadas, em razão da ausência de evidências adicionais que corroborassem aquela versão dos fatos.

O Tribunal então determinou, por maioria, o arquivamento do caso com relação às representadas. A decisão caminha no sentido de consolidar o entendimento da autarquia sobre o padrão de prova necessário nos casos de representação por cartel, e reafirma a jurisprudência dominante da autoridade ao exigir um padrão de prova rigoroso para a condenação. Foram as principais conclusões do Tribunal:

(i) as provas indiretas são um meio de prova conclusivo e podem embasar uma decisão condenatória, observado todo o conjunto probatório;

(ii) o testemunho indireto (hearsay evidence), ainda que lícito, não tem poder probatório suficiente para, sozinho, embasar uma condenação;

e (iii) as provas unilaterais, particularmente no caso de obtenção via acordo de leniência/delação premiada ou similares, devem ser corroboradas por outras evidências independentes para embasarem uma convicção condenatória.

Discussões sobre a prática de tying em mercados digitais se mantêm em aberto

No último mês, o Departamento de Justiça Americano (DoJ) abriu investigação contra a Google por sua dominância no mercado de serviços de mapeamento e as supostas restrições impostas aos desenvolvedores de aplicativo que utilizem seu recurso de mapas. O DoJ centra-se no fato de que a Google exigiria que desenvolvedores de aplicativo que utilizam seu produto de mapas também utilizassem sua ferramenta de busca.

A investigação abre novamente a discussão em mercados digitais sobre a prática conhecida como tying. Essa prática ocorre quando o comprador é compelido a comprar ou utilizar determinado bem ou serviço para poder comprar ou utilizar outro bem ou serviço. A prática não é considerada anticompetitiva por si só, podendo garantir sinergias entre produtos ou serviços, a depender de sua natureza. Em última instância, contudo, caso seja utilizada de forma abusiva, pode levar ao fechamento de mercado para competidores.

Nesse sentido, questões concorrenciais envolvendo a prática de tying também se estendem para mercados digitais, onde existem justificativas plausíveis para a prática, como garantir a segurança e a sinergia de produtos desenvolvidos pela mesma empresa, mas podem dificultar a atuação de competidores que dependam de um dos serviços ou produtos para atuar em seu mercado.

Um caso prático que ilustra essa discussão diz respeito à ação movida pela Epic Games, desenvolvedora do jogo Fortnite, em face da Apple. Em síntese, a Epic Games contestava as restrições impostas pela Apple sobre a utilização de outros métodos de pagamento em aplicativos além daquele oferecido na própria App Store, loja de aplicativos da companhia. A decisão de primeirainstância negou a maioria dos pedidos da Epic, mas permitiu que os desenvolvedores tanto de aplicativos quanto jogos incluam botões que redirecionam o usuário para um ambiente de pagamento externo. As apelações de ambas as partes ainda pendem de julgamento.

Uma investigação semelhante está em curso perante o Conselho Administrativo de Defesa Econômica e pode ser considerada como decorrência do Digital Markets Act europeu, a qual proíbe arranjos de venda condicionada (tying arrangements) para agentes considerados gatekeepers pela regulação. Desse modo, discussões sobre a prática de tying em mercados digitais e suas consequências competitivas deverão ser travadas pelas autoridades concorrenciais.

NESTLÉ E CADE PODEM FECHAR ACORDO SOBRE COMPRA DA GAROTO

A Nestlé e o CADE podem fechar um acordopara colocar fim em uma discussão judicial que se arrasta há quase vinte anos após a reprovação, em 2004, da aquisição da Garoto
pela companhia em 2002. No modelo anterior do controle de estruturas realizado pelo CADE, os atos de concentração eram analisados pela autarquia após efetivados. Assim, o Tribunal do CADE podia decidir pela reprovação da operação e determinar sua desconstituição, mesmo que já decorridos efeitos perante terceiros. No rito atual , previsto pela Lei nº 12.529/2011, os atos de concentração são submetidos previamente ao CADE e devem ser analisados, conforme sua complexidade, em prazo predeterminado, sob pena de aprovação tácita.

Após um longo período com a decisão do CADE suspensa por força judicial, o Tribunal Regional Federal da 1ª Região, em 2018, determinou que o CADE proferisse novo julgamento sobre a operação. Em 2021, ainda sem o fim de todas as instâncias judiciais, o então Presidente do CADE, Alexandre Barreto, determinou que fosse realizada nova instrução do caso no âmbito da Superintendência- Geral (SG) por compreender que a
probabilidade de reversão da decisão judicial era remota, inclusive pela alteração das condições de mercado desde a análise da compra  pela autarquia vinte anos antes.
Seja por acordo ou reanálise da operação pela SG, a solução deverá passar pelo crivo do Tribunal do CADE e será um marco importante para avaliação da eficácia das ferramentas da autarquia à época da operação em relação ao controle de estruturas.

TENSÃO GEOPOLÍTICA PODE AFETAR O MERCADO DE REDES SOCIAIS

Tensões entre China e Estados Unidos no campo geopolítico mostram seus reflexos no mercado de redes sociais. Bloqueios e restrições a plataformas como YouTube, Facebook, Instagram e Twitter já são conhecidos. Contudo, em movimentos recentes, os governos dos Estados Unidos e do Canadá baniram a plataforma TikTok (controlada pela chinesa ByteDance) de todos os dispositivos governamentais.
Nos últimos meses, o TikTok tem sido alvo demaior atenção desses governos em relação às medidas de segurança e à privacidade adotadas pela plataforma, que declararam preocupações quanto à obrigação de a empresa compartilhar dados com o governo chinês em determinados casos previstos na lei.

O movimento já havia se iniciado nos Estados Unidos no final de 2022, com a proibição do uso do TikTok por trabalhadores ligados ao governo federal do país, e vem sendo acompanhado por outras instituições, como universidades que passaram a bloquear o acesso ao aplicativo por meio de suas conexões de internet.
Nessa mesma onda, a Comissão Europeia também proibiu o uso da plataforma
nos dispositivos vinculados ao braço executivo da União Europeia.1 Bélgica e Reino Unido adotaram restrições similares.

No dia 23 de março, o CEO da empresa, Shou Zi Chew, falou com o Congresso estadunidense e expressou o comprometimento da plataforma em responder às preocupações governamentais e garantir a segurança de seus usuários.

Para reduzir as preocupações de usuários e governantes, o TikTok adotou o “Projeto Texas”, no qual investiu US$ 1,5 bilhão para que todos os dados vindos dos Estados Unidos sejam roteados por meio de um data center local, mantido pela Oracle, 3 garantindo a segurança das informações.

É importante reconhecer que a atenção dos governos pode ser vista como um sinal da atual relevância do TikTok enquanto plataforma de conteúdo. Deve-se observar, todavia, que as medidas governamentais podem ser consideradas discriminatórias com relação a outras plataformas, as quais não vêm experimentando ações similares por parte dos governos nacionais. Nesse sentido, mecanismos de segurança e privacidade a serem adotados pelo TikTok para atender a essas preocupações podem levantar questionamentos quanto a interferências governamentais em mercados de plataformas digitais e sua dinâmica competitiva a partir de um pano de fundo que não seja estritamente econômico.

Nas últimas semanas, a Lemon8 (rede social lançada em 2020 e controlada também pela ByteDance) vem crescendo em número de usuários. Com uma proposta que mistura elementos de Instagram e Pinterest, a rede social ultrapassou os 16 milhões de downloads globais4 e tem se popularizado entre a Geração Z.5 Se continuar crescendo, a Lemon8 pode em breve começar a encontrar resistência similar à direcionada ao TikTok.

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