Rainbow-washing: são as cores de junho que vem e vão

Durante o último mês de junho foi impossível não notar a ampla comemoração do mês do orgulho LGBTQIA+. O uso de símbolos associados ao movimento — com o destaque para o arco-íris — busca dar visibilidade para a causa e para os diversos desafios enfrentados diariamente pela comunidade. Nos últimos anos, essa simbologia tem sido usada por empresas em logotipos, uniformes e propagandas como forma de mostrar seu suporte às pessoas LGBTQIA+. Apesar disso, é difícil não estranhar o rápido desaparecimento desses símbolos na virada do mês.

É evidente que o uso corporativo da simbologia associada ao movimento LGBTQIA+ tem aspectos positivos, como exibir um ambiente publicamente acolhedor a funcionários e clientes. No entanto, há críticas crescentes àqueles que usam o apoio à comunidade como uma mera iniciativa de marketing, sem verdadeiramente buscar impactos positivos e apoio à LGBTQIA+ [1]. O conflito entre a necessária visibilidade da comunidade e o possível de abuso de sua simbologia levanta um importante questionamento sobre como usar estes símbolos no ambiente corporativo.

A bandeira arco-íris foi criada por Gilbert Baker em 1979 e usada pela primeira vez na Parada do Orgulho LGBT em São Francisco, nos Estados Unidos. Adotada pelo movimento desde então, a bandeira foi adaptada ao longo do tempo sem perder sua essência. Símbolos como este são elementos importantes inclusive na criação de sentimento de grupo. Se de início o uso da bandeira do movimento LGBTQIA+ marcava uma guetização da comunidade, hoje ela é frequentemente utilizada para sinalizar o acolhimento nos mais diversos ambientes. Para além de efeitos na esfera coletiva, a sensação de pertencimento criada pelos símbolos se manifesta na esfera individual como reforços à aceitação e à autoafirmação de identidade.

No início do uso do arco-íris como símbolo de apoio à causa LGBTQIA+, poucas empresas arriscavam se associar com a sigla, visto que a medida poderia contrariar as posições pessoais de consumidores, funcionários e dirigentes. A falta de conexão com a pauta também pode ser associada à ausência de políticas afirmativas e medidas concretas para a proibição de discriminação por orientação sexual e identidade de gênero, tanto por parte das corporações quanto por parte do governo. Hoje, com o ganho de relevância social da causa, espera-se que a maioria das grandes empresas adote as cores do arco-íris, ao menos durante o mês do orgulho. Contudo, há que se observar a criação de incentivos para que alguns passem a apoiar a causa LGBTQIA+ de forma esvaziada e sem efeitos práticos positivos.

A força do apoio à causa como impulsionador de negócios é fator relevante ao se considerar estes questionamentos, com pesquisas demonstrando que um quarto dos usuários de internet nos Estados Unidos é mais propenso a comprar de empresas que abertamente apoiam a causa LGBTQIA+ [2]. Esse fator econômico cria incentivos perversos para que o apoio à causa seja pro forma, sem que se reflita em um engajamento verdadeiro com as demandas da comunidade.

Este tipo de conduta é pejorativamente conhecido como "rainbow washing" ("lavar-se de arco-íris", em tradução aproximada). A nomenclatura remete ao conceito de "white washing", uma pintura utilizada em paredes no Reino Unido no século 16 para disfarçar imperfeições em superfícies e que passou, com o tempo, a significar o ato de encobrir alguma conduta questionável ou característica negativa [3]. O termo foi adaptado para se referir a práticas de ocultação maliciosa (como o "pink washing" relativo à prevenção e tratamento do câncer de mama e o "green washing" relativo à preservação ambiental), até a adoção da expressão "rainbow washing" para a apropriação da simbologia LGBTQIA+.

A "lavagem" pode tomar diversas formas, indo desde uma apropriação simbólica vazia até empresas que propositalmente usam o arco-íris para disfarçar ataques aos direitos da população LGBTQIA+. Num exemplo clássico, uma famosa marca de massas foi acusada de "rainbow washing" ao tentar recuperar sua imagem pública estampando as cores do arco-íris em seus pacotes de macarrão após declarações de seu CEO de que nunca exibiria um casal homossexual em suas propagandas [4]. Em um caso mais recente, empresas consideradas aliadas da comunidade (e que inclusive contribuíram financeiramente para causas pró-LGBTQIA+) foram identificadas como doadoras de candidaturas políticas favoráveis à terapia de conversão, o que evidenciou a superficialidade de seu apoio [5]. Contudo, críticas são igualmente válidas para aqueles que usam a simbologia LGBTQIA+ como mero impulso de mercado, o que inclusive dificulta às pessoas identificar empresas que possuem um comprometimento real com a causa.

É inegável que a crítica àqueles que se apropriam do discurso LGBTQIA+, muitas vezes simbolizado pelas cores do arco-íris, é válida. Entretanto, essas críticas não significam defender que empresas devem remover o arco-íris de sua imagem pública, mas, sim, buscar que ele seja a expressão de um real comprometimento com a causa e com medidas concretas. O problema do rainbow washing reside em tornar o apoio à causa LGBTQIA+ um mero instrumento de marketing em períodos estratégicos, em um descompasso entre discurso e prática; corporações podem usar de sua mobilização simbólica como gatilho para o início de ações concretas em favor da diversidade.

Em meio às celebrações públicas no mês do orgulho LGBTQIA+, pode ser fácil esquecer-se que não se passaram mais de duas gerações desde os protestos de Stonewall. As conquistas na proteção dos direitos de pessoas LGBTQIA+ não podem tirar a atenção do fato de que ainda são necessárias muitas ações para avançá-los e para estabilizá-los.

Assim, políticas empresariais devem começar pelo essencial, com a eliminação de práticas e expressões discriminatórias — mas não devem se encerrar por aí. O verdadeiro progresso passa por medidas de conscientização dos funcionários e do público, estudos direcionados a identificar demandas concretas do contexto particular de cada corporação, implementação destas mudanças de forma permanente e aprofundada e integração dos valores dos direitos humanos e da diversidade à cultura corporativa. Isso não significa que empresas precisem esperar se tornar um "lugar perfeito" para participar das comemorações do orgulho LGBTQIA+ (até porque este é um objetivo utópico), mas deve haver comprometimento genuíno solidificado em políticas e regulamentos internos.

O mês de junho passou, os arcos-íris sumiram, mas as pessoas LGBTQIA+ permanecem.


[1] Champlin, S., & Li, M., (2020). Communicating Support in Pride Collection Advertising: The Impact of Gender Expression and Contribution Amount. International Journal of Strategic Communication, 14(3), 160-178. DOI: 10.1080/1553118X.2020.1750017

[2] He, A. (2019). LGBTQ+ Advertising Can Be Effective, but Customers Know When Brands Use Pride Month as Marketing Ploy. Insider Intelligence. https://www.insiderintelligence.com/content/lgbtq-advertising-can-be-effective-but-customers-know-when-brands-use-pride-month-as-marketing-ploy

[4] Chayer, R. (2018). The Pinkwashing of Barilla. Gay Globe.https://gayglobe.net/the-pinkwashing-of-barilla/

[5] Ennis, D. (2019). Don't Let That Rainbow Logo Fool You: These 9 Corporations Donated Millions To Anti-Gay Politicians. Forbes.https://www.forbes.com/sites/dawnstaceyennis/2019/06/24/dont-let-that-rainbow-logo-fool-you-these-corporations-donated-millions-to-anti-gay-politicians/?sh=25c68d8a14a6; Wedell, K. (2022). Hiding behind rainbow flags: These companies' political donations don't match their support of LGBTQ issues. USA Today. https://www.usatoday.com/story/money/2022/06/07/brands-rainbow-donations-politicians/9643841002/?gnt-cfr=1; Helmore, E. (2021). 25 corporations marking Pride donated over $10m to anti-LGBTQ+ politicians study. The Guardian. https://www.theguardian.com/us-news/2021/jun/14/corporations-anti-lgbtq-politicians-donations-study

 

*Co-autoria com Letícia Haertel e Victoria Moura Vormittag. Originalmente publicado em Conjur.

**Imagem Sketchepedia.

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