*Recurso de imagem obtido a partir do site Freepik.com

No dia 13 de outubro, a autoridade antitruste britânica Competition and Markets Authority ('CMA') aprovou a conclusão da aquisição da desenvolvedora e publicadora de jogos Activision Blizzard Inc. pela Microsoft Corporation por aproximadamente US$ 69 bilhões.

A Microsoft é uma companhia de tecnologia atuante em diversos setores. No contexto dessa operação, a empresa se destaca no fornecimento de produtos e serviços na indústria de jogos eletrônicos. Neste segmento, a companhia desenvolve, publica e distribui jogos para computadores pessoais (‘PCs’), dispositivos móveis e consoles, bem como oferece o console Xbox e serviços de jogos online. A Activision Blizzard, por sua vez, detém franquias de grande prestígio na comunidade de games, tais quais Call of Duty, Overwatch, World of Warcraft e Candy Crush.

Assim sendo, a operação diz respeito a um amplo espectro de segmentos relevantes no âmbito da indústria de games, implicando diversas sobreposições ou integrações em mercados – em especial no desenvolvimento e na distribuição de jogos. Pela natureza da indústria e a abrangência global das empresas no fornecimento de jogos, a operação foi notificada em diversas jurisdições ao redor do mundo, onde houve a identificação e análise de pontos concorrencialmente sensíveis e preocupações suscitadas pela incorporação da Activision Blizzard como uma subsidiária da Microsoft.

Jogos eletrônicos possuem diferentes níveis de investimento em seu processo de desenvolvimento e são classificadas a partir desse fator, incluindo desde jogos indie (produtos de menor orçamento) até jogos ‘AAA’. Jogos “triplo A” podem chegar às dezenas de milhões de dólares em investimento, e seu desenvolvimento pode levar anos para ser concluído[1]. A série de jogos de maior relevo da Activision Blizzard é Call of Duty, franquia de jogos ‘tripo A’ de categoria FPS (jogos de tiro em primeira pessoa – first-person shooter) que ultrapassou a marca de 400 milhões de cópias comercializadas[2]. Como desenvolvedora independente, a Activision Blizzard historicamente promove a distribuição de jogos da série em dispositivos de hardware fornecidos tanto pelo Xbox, da Microsoft, quanto pelo PlayStation (da Sony Interactive Entertainment LLC.), além de PCs.

A possibilidade de disponibilização de títulos componentes da franquia representa por si só elevado vulto econômico no âmbito do mercado de distribuição de jogos; contudo, o conteúdo disponibilizado a determinada plataforma representa o maior dos fatores de influência sobre a escolha, do consumidor, por determinado hardware de jogos. Em decorrência disso, foi suscitada preocupação – tanto de concorrentes quando de agências antitruste internacionais – em relação à possibilidade de adoção de práticas de fechamento de mercado por parte da Microsoft, uma vez que tal conjuntura supostamente forneceria incentivo para que a adquirente tornasse exclusivo a si o acesso aos produtos de sua subsidiária, influenciando o mercado de distribuição de jogos assim como o de dispositivos de hardware de videogames. Em outras palavras, a ressalva feita por concorrentes em pluralidade de segmentos da indústria de games era devido à preocupação de que a Microsoft dificultasse ou impedisse o acesso de outras publicadoras ou fornecedoras de dispositivos de hardware ao conteúdo da Activision Blizzard.

Essa preocupação tomou centralidade na análise promovida pela Federal Trade Commission (‘FTC’), autoridade concorrencial estadunidense, e ensejou a celebração de acordo de não exclusividade entre Microsoft e Sony em janeiro de 2022. Apesar de não haver disponibilização pública dos termos do acordo, representantes da companhia adquirente consistentemente se manifestaram no sentido de ter sido prestado compromisso vinculante para a manutenção do fornecimento de franquias de jogos, tais quais o Call of Duty, em plataformas detidas por concorrentes[3]^/[4].

A indústria de games, conjuntamente ao setor do entretenimento como um todo, vem sendo objeto de profundas alterações e inovações nos anos recentes, com perspectivas de desenvolvimento de novos mercados que contam com potencial de serem centrais no cenário futuro em construção. Possui destaque o segmento de cloud gaming, tecnologia que possibilita o processamento de jogos em dispositivos como televisões e tablets, propiciando jogar remotamente, sem a necessidade de aquisição ou uso de hardwares locais como consoles, PCs ou smartphones.

Apesar da atual incipiência dessa tecnologia, a Microsoft conta com serviço de jogos em nuvem por meio do Xbox Cloud Gaming. Aqui mais uma vez foi suscitada a preocupação em relação aos possíveis incentivos ao fechamento de mercado por parte da Microsoft em relação aos produtos da Activision Blizzard. A temática de distribuição de jogos eletrônicos em plataformas em nuvem foi objeto de detida análise por parte da Comissão Europeia. A conclusão foi a de que a companhia teria, de fato, capacidade e incentivos para a adoção de medidas prejudiciais ao ambiente concorrencial, como, por exemplo, por meio da exclusividade do Xbox Cloud Gaming na disponibilização de franquias Activision Blizzard – com a possibilidade de beneficiação indireta por desvio de demanda a outra de suas atividades, por meio do sistema Windows em computadores pessoais.

Tal entendimento da Comissão implicou a imposição de remédios para que houvesse a aprovação com restrições da operação, consubstanciados na exigência de que fossem garantidas licenças gratuitas que possibilitassem o acesso aos jogos Activision Blizzard, por meio de cloud gaming, a consumidores e concorrentes localizados no Espaço Econômico Europeu[5]^/[6]. Foi celebrado acordo entre a Microsoft e outras provedoras de plataformas de cloud gaming, como a Nvidia e sua marca GeForce NOW, que asseguram uma licença global e livre de direitos autorais para a transmissão de jogos nas plataformas[7]. A partir de tais acordos e com a imposição dos remédios, a operação foi aprovada na Comissão Europeia em maio de 2023.

Maiores foram os entraves com relação aos serviços de jogos em plataformas em nuvem na jurisdição britânica. O CMA, com base em preocupações suscitadas pela possibilidade de fechamento de mercado e de questões relativas ao segmento de cloud gaming, reprovou a Operação em abril de 2023[8]. Diante disso, Microsoft e Activision Blizzard interpuseram recurso para que houvesse apreciação por parte do órgão antitruste recursal, o Competition Appeal Tribunal (‘CAT’)[9]. Em razão disso, foi celebrado mais um acordo que possibilitou a reapreciação da operação por parte da autoridade de primeira instância[10].

O acordo que propiciou a reanálise – e posterior aprovação – da operação no âmbito da jurisdição britânica foi celebrado entre a Microsoft e a Ubisoft, publicadora de jogos eletrônicos francesa que conta com diversas franquias de jogos ‘triplo A’, como Far Cry e Watch Dogs, além de loja virtual própria[11]. Por força deste acordo, os direitos sobre cloud gaming da Activision Blizzard foram excluídos do escopo da Operação e adquiridos pela Ubisoft, de forma que o fornecimento dos jogos em cloud streaming da companhia adquirida fora do Espaço Econômico Europeu não será mais oferecido pela Microsoft, mas pela empresa francesa.

Considerando a exclusão do escopo da operação do ponto de maior preocupação da autoridade britânica, no dia 13 de outubro, a aquisição foi aprovada na CMA[12], única das autoridades de maior relevância global na qual a operação ainda estava pendente[13], em decorrência do que foi permitido o fechamento da maior operação da história da indústria dos games.

Nos Estados Unidos, apesar de atualmente não haver entraves à conclusão da operação, a FTC ajuizou ação em face à Microsoft para que seja reprovada a aquisição da Activision Blizzard. Diferentemente da lógica de funcionamento do sistema brasileiro de defesa da concorrência, na jurisdição estadunidense o veredito final é dado pelo judiciário, e não propriamente pela agência. Em dezembro de 2022, a FTC, com fundamento na possibilidade de privar concorrentes do acesso aos produtos Activision Blizzard, emitiu Complaint[14] pelo qual busca judicialmente reprovação da operação[15]. Contudo, a agência teve negado seu pedido liminar de bloqueio da aquisição[16]. Desse modo, apesar de restar ainda pendente decisão definitiva de aprovação ou não do caso Microsoft/ Activision Blizzard na jurisdição estadunidense, atualmente não há quaisquer entraves à sua concretização, motivo pelo qual foi recentemente oficializada.

No Brasil, a operação foi notificada ao Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE) e aprovada sem restrições em outubro de 2022[17]. O órgão considerou sobreposição horizontal os mercados de publicação de jogos, de distribuição digital de jogos, de publicidade online e de licenciamento para produtos de consumo. Em integração vertical, foram analisados os mercados de publicação e distribuição de jogos, publicação de jogos e consoles, e publicação de jogos e publicidade online. No âmbito de todos os cenários analisados se concluiu pela impossibilidade de exercício de poder de mercado por parte da Microsoft, assim como pela ausência de elementos que permitissem inferir o fechamento de mercados em relação vertical.

A despeito das preocupações tidas em outras jurisdições acerca das possibilidades de fechamento de mercado, o CADE proferiu entendimento no sentido de que, apesar de sua popularidade, os jogos da Activision Blizzard, em especial a franquia Call of Duty, “não seriam ativos essenciais à atuação dos atuais e potenciais concorrentes da Microsoft nos mercados de consoles e de distribuição digital de jogos” e se sustentou que “mesmo que o catálogo de jogos da Activision Blizzard viesse a se tornar exclusivo para o ecossistema da Microsoft após a Operação, a SG/Cade considera que tal exclusividade não resultaria em redução substancial dos níveis de concorrência”[18].

Os serviços de cloud gaming foram apreciados como componentes do mercado de distribuição de jogos, em análise do possível fechamento do mercado a jusante. Não obstante o reconhecimento da existência do segmento, não foi promovida análise detida acerca da conjuntura e projeções futuras desse mercado, considerando o cenário atual de baixa adesão dos consumidores aos serviços de jogos em nuvem.

[1] Nesse sentido, vide: T.C. Why video games are so expensive to develop. The Economist, 25 set. 2014. Disponível em: https://www.economist.com/the-economist-explains/2014/09/24/why-video-games-are-so-expensive-to-develop. Acesso em 24 out. 2023; ALVA, Britanny. O que faz um jogo AAA ser um jogo AAA? Epic Games, 10 out. 2023. Disponível em: https://store.epicgames.com/pt-BR/news/what-makes-a-aaa-game-a-aaa-game. Acesso em 24 out. 2023.

[2] Nesse sentido, vide: Best-selling first-person shooter (FPS) videogame series. Guiness World Records, 21 abr. 2021. Disponível em: https://www.guinnessworldrecords.com/world-records/87955-best-selling-first-person-shooter-fps-videogame-series. Acesso em 24 out. 2023.

[3] Nesse sentido, vide: SMITH, B. Adapting ahead of regulation: a principled approach to app stores. Microsoft, 09 fev. 2022. Disponível em: https://blogs.microsoft.com/on-the-issues/2022/02/09/open-app-store-principles-activision-blizzard/. Acesso em 24 out. 2023; GOSWAMI, R.; NOVET, J. Microsoft and Sony sign deal to keep Activision’s Call of Duty on PlayStation. CNBC Tech, 16 jul. 2023. Disponível em: https://www.cnbc.com/2023/07/16/microsoft-and-sony-sign-deal-to-keep-activisions-call-of-duty-on-playstation.html. Acesso em 24 out. 2023; DEMPSEY, J. Call of Duty battle over after Sony deal with Microsoft. BBC News, 16 jul. 2023. Disponível em: https://www.bbc.com/news/technology-66217632. Acesso em 24 out. 2023; AFP. Microsoft e Sony chegam a acordo sobre ‘Call of Duty’. Exame, 17 jul. 2023. Disponível em: https://exame.com/tecnologia/microsoft-e-sony-chegam-a-acordo-sobre-call-of-duty/. Acesso em 24 out. 2023.

[4] SPENCER, P. We are pleased to announce that Microsoft and @PlayStation have signed a binding agreement to keep Call of Duty on PlayStation following the acquisition of Activision Blizzard. We look forward to a future where players globally have more choice to play their favorite games. 16 jul. 2023. X (Twitter): @XboxP3. Disponível em: https://twitter.com/XboxP3/status/1680578783718383616. Acesso em 24 out. 2023.

[5] Nesse sentido, vide: Mergers: Commission clears acquisition of Activision Blizzard by Microsoft, subject to conditions. European Commission, 15 mai. 2023. Disponível em: https://ec.europa.eu/commission/presscorner/detail/%20en/ip_23_2705. Acesso em 24 out. 2023; KHARPAL, A. EU approves Microsoft’s $69 billion acquisition of Activision Blizzard, clearing huge hurdle. CNBC Tech, 15 mai. 2023. Disponível em: https://www.cnbc.com/2023/05/15/microsoft-activision-deal-eu-approves-takeover-of-call-of-duty-maker.html. Acesso em 24 out. 2023; CHEE, F. Y. Microsoft wins EU antitrust approval for Activision deal vetoed by UK. Reuters, 16 mai. 2023. Disponível em: https://www.reuters.com/markets/deals/eu-antitrust-regulators-clear-69-bln-microsoft-activision-deal-2023-05-15/. Acesso em 24 out. 2023.

[6] COMISSÃO EUROPEIA. Case M.10646 – Microsoft / Activision Blizzard. Merger Procedure. Commission Decision of 15.5.2023 declaring a concentration to be compatible with the internal market and the EEA agreement. Disponível em: https://ec.europa.eu/competition/mergers/cases1/202330/M_10646_9311516_7443_3.pdf. Acesso em 24 out. 2023.

[7] Nesse sentido, vide: Microsoft and NVIDIA annouce expansive new gaming deal. Microsoft, 21 fev. 2023. Disponível em: https://news.microsoft.com/2023/02/21/microsoft-and-nvidia-announce-expansive-new-gaming-deal/. Acesso em 24 out. 2023; HARRINGTON, G. Microsoft enters 10-year agreement with Nvidia and Nintendo in fight to save Activision deal. CNN Business, 21 fev. 2023. Disponível em: https://edition.cnn.com/2023/02/21/tech/microsoft-nvidia-nintendo-activision/index.html. Acesso em 24 out. 2023; KHARPAL, A.; NOVET, J. Nvidia supports Microsoft, Activion merger after Xbox deal to add games to cloud service. CNBC Tech, 21 fev. 2023. Disponível em: https://www.cnbc.com/2023/02/21/microsoft-will-bring-xbox-games-to-nvidias-cloud-gaming-service.html. Acesso em 24 out. 2023.

[8] COMPETITION AND MARKETS AUTHORITY. Anticipated acquisition by Microsoft of Activision Blizzard, Inc. Final Report. 26 abr. 2023. Disponível em: https://assets.publishing.service.gov.uk/media/644939aa529eda000c3b0525/Microsoft_Activision_Final_Report_.pdf. Acesso em 24 out. 2023; ZIADY, H. UK blocks Microsoft takeover of Activision Blizzard. CNN Business, 26 abr. 2023. Disponível em: https://edition.cnn.com/2023/04/26/tech/microsoft-activision-blizzard/index.html. Acesso em 24 out. 2023.

[9] COMPETITION APPEAL TRIBUNAL. Microsoft Corporation v Competition and Markets Authority. Case No: 1590/4/12/23. Disponível em: https://www.catribunal.org.uk/cases/159041223-microsoft-corporation. Acesso em 24 out. 2023.

[10] COMPETITION AND MARKETS AUTHORITY. Microsoft / Activision Blizzard (ex-cloud streaming rights) merger inquiry. Disponível em https://www.gov.uk/cma-cases/microsoft-slash-activision-blizzard-ex-cloud-streaming-rights-merger-. Acesso em 24 out. 2023.

[11] Nesse sentido, vide: DMITRACOVA, O. Microsoft gives ground on streaming in bid to remove UK block on Activision deal. CNN Business, 22 ago. 2023. Disponível em: https://edition.cnn.com/2023/08/22/tech/microsoft-activision-new-proposal-uk-regulator/index.html. Acesso em 24 out. 2023.

[12] Microsoft concession a gamechanger that will promote competition. Competition and Markets Authority Press Release. 13 out. 2023. Disponível em: https://www.gov.uk/government/news/microsoft-concession-a-gamechanger-that-will-promote-competition. Acesso em 24 out. 2023.

[13] Nesse sentido, vide: TOH, M.; FUNG; B. Mirosoft completes blockbuster Activision Blizzard takeover after UK removes final hurdle. CNN Business, Londres, 13 out. 2023. Disponível em: https://edition.cnn.com/2023/10/13/tech/microsoft-activision-blizzard-takeover-uk-intl-hnk/index.html. Acesso em 24 out. 2023; SATARIANO, A. Microsoft Finally Closes In on Activision Deal After Key Approval. The New York Times, Londres, 13 out. 2023. Disponível em: https://www.nytimes.com/2023/10/13/technology/microsoft-activision-cma.html. Acesso em 24 out. 2023; KHARPAL, A. Microsoft’s $69 billion Activision Blizzard takeover approved by UK, clearing way for deal to close. CNBC Tech, 13 out. 2023. Disponível em: https://www.cnbc.com/2023/10/13/microsoft-activision-blizzard-takeover-approved-by-uk-regulator-cma.html. Acesso em 24 out. 2023.

[14] FTC Seeks to Block Microsoft Corp.’s Acquisition of Activision Blizzard, Inc. Federal Trade Commission Release, 08 dez. 2023. Disponível em: https://www.ftc.gov/news-events/news/press-releases/2022/12/ftc-seeks-block-microsoft-corps-acquisition-activision-blizzard-inc. Acesso em 24 out. 2023.

[15] UNITED STATES DISTRICT COURT NORTHERN DISTRICT OF CALIFORNIA. Case 23-cv-02880-JSC – Federal Trade Commission v. Microsoft Corp. et al. Disponível em: https://www.cand.uscourts.gov/ftc-v-microsoft_corp_et_al/. Acesso em 24 out. 2023.

[16] U.S. appeals court refuses FTC request to pause Microsoft deal for Activision. Reuters, 15 jul. 2023. Disponível em: https://www.reuters.com/legal/us-appeals-court-refuses-ftc-request-pause-microsoft-deal-activision-2023-07-14/. Acesso em 24 out. 2023.

[17] Ato de Concentração n. 08700.003361/2022-46. Requerentes: Microsoft Corporation e Activision Blizzard, Inc. Aprovado sem restrições em 06 out. 2023.

[18] Vide § 352 do Parecer n. 23/2022/CGAA3/SGA1/SG/CADE (SEI n. 1131445).