Dinâmica concorrencial do mercado de streaming
Em maio desse ano, a Netflix anunciou que não mais permitiria o compartilhamento de senhas de uma conta entre pessoas assistindo em casas diferentes no Brasil, em razão da redução do número de assinaturas que vinha enfrentando¹. A iniciativa foi seguida pela Disney+, que anunciou seu combate ao compartilhamento de senhas em 9 de agosto², na mesma data da divulgação de seu balanço financeiro trimestral. Esses anúncios se dão em meio a um contexto de crescente pressão competitiva no mercado de streamings que viu, no ano passado, o auge de diversificação de serviços e ofertas³, com a entrada de novos players nesse mercado que já foi liderado apenas pela Netflix, quando a empresa se apresentou como pioneira.
As medidas para lidar com as dificuldades comerciais nesse cenário são diversas, já que os custos dessa indústria – sobretudo a produção de filmes e séries – são altos demais para serem custeados apenas pelas assinaturas. Nesse sentido, a Disney+ anunciou, também neste mês, a oferta do plano de assinatura baseado em anúncios⁴, já disponível nos Estados Unidos, à Europa e ao Canadá. Outra possibilidade que passou a ser debatida é a volta do licenciamento de conteúdo entre estúdios e plataformas de streaming – que era a forma original de funcionamento desse mercado, antes dos estúdios possuírem suas próprias plataformas, e das plataformas como Netflix e Amazon Prime Video passarem a investir mais em seus conteúdos exclusivos. Os contratos de licenciamento geram receitas significativas aos estúdios, além de reduzir o custo de manutenção das plataformas próprias⁵, e garantem conteúdo às empresas dedicadas exclusiva ou majoritariamente ao streaming.
Fusões e aquisições costumam ser alternativas adotadas pelo mercado em contextos de alta competitividade como este. É o que se observa na fusão entre Warner Bros e Discovery no ano passado⁶, que uniu plataformas de streaming, canais de TV por assinatura, estúdios de cinema e atividade de distribuição. Esse caso e a dinâmica atual do setor de mídia e entretenimento turvam a divisão entre os mercados de streaming e mídias tradicionais. Contudo, no direito concorrencial brasileiro até o momento, as análises de atos de concentração do setor pelo CADE consideram esses mercados distintos⁷.
Apesar da distinção, esses dois mercados possuem estruturas similares, como o licenciamento de conteúdo estratégico configurando importante barreira de entrada. Embora a exclusividade de conteúdo já tenha sido alvo de julgamentos pelo CADE, notadamente em relação à transmissão de campeonatos de futebol na televisão, os mesmos parâmetros não devem ser automaticamente aplicados ao mercado de streaming. A questão dos desafios competitivos do mercado de streaming foi colocada pela ANATEL no lançamento do estudo do CADE deste ano sobre o mercado de telecomunicações⁸. Na ocasião, o economista-chefe do Conselho apontou a necessidade de cautela na aplicação de regras antigas aos mercados digitais⁹, que possuem dinâmicas próprias.
Dessa forma, há expectativa de que novos parâmetros sejam desenvolvidos em eventuais análises do CADE sobre o mercado de streaming. Algumas questões, no entanto, devem ser objeto de análise do órgão, como a exclusividade de conteúdo, relações verticais em que se inserem muitos dos atuais players, entre outras.
Referência