Facebook Oversight Board: primeiras decisões publicadas

Conforme já foi discutido neste Jota em diversas oportunidades (alguns exemplos aqui, aqui, e aqui), o Facebook conta com uma bancada de revisão de suas ações, conhecida por “Facebook Oversight Board“. De acordo com o seu Livro de Regras (disponível aqui), o Oversight Board foi criado para “tomar decisões vinculantes, com base em princípios e de maneira independente”. Estas decisões concernem o “conteúdo que o Facebook e o Instagram podem permitir ou remover de suas plataformas, baseado no respeito à liberdade de expressão e aos direitos humanos”.

Este objetivo de criação se alinha diretamente aos Princípios para Empresas e Direitos Humanos da ONU (Princípios EDH), e faz refletir nas decisões de mérito do Board tanto as regras internas das plataformas, quanto tratados internacionais de direitos humanos e declarações dos intérpretes autênticos destas normas, como o Comitê de Direitos Humanos da ONU.

O uso de tratados internacionias na regulação das ações de empresas e, principalmente, de uma empresa da magnitude do Facebook traz diversas consequências. Como reconhecido pela Assembleia Geral das Nações Unidas (AGNU) mutatis mutandi, o conjunto de normativas aplicáveis às empresas já se encontra bem desenvolvido, mas ainda há muito o que se descobrir em termos das consequências de aplicarmos os Princípios EDH no setor tecnológico (UN Documents A/75/212, ¶96-7). Isso já que, mesmo com o endosso da ONU, os Princípios EDH ainda têm uma aplicação tímida.

Neste cenário, o due diligence sobre impactos aos direitos humanos depende de questões multi-fatoriais. Dentre eles, inclui-se a atividade empresarial sendo desenvolvida, o tamanho da empresa, o contexto no qual se insere a atividade, e a possível extensão dos danos a direitos humanos que podem ser causados (UN Documents A/75/212, ¶41).

Assim, faz parte das obrigações das empresas “identificar e antecipar formas como as operações da empresa, seus produtos ou serviços impactam em tensões sociais existentes, e no relacionamento entre vários grupos, e/ou criam novas tensões ou conflitos,” (tradução livre) (UN Documents A/75/212, ¶48) mas as ações a serem tomadas são “extremamente dependentes do contexto” (tradução livre) (UN Documents A/75/212, ¶65).

Em 28 de janeiro de 2021, o Oversight Board publicou os seus seis primeiros casos. Com eles, temos a primeira possibilidade de entender o racional que o Board adotará ao regular as ações do Facebook e Instagram.

O Board reverteu a decisão do Facebook de remover uma postagem que questionava a estratégia sanitária francesa, e sugeria o uso de drogas sem efeito comprovado contra a COVID-19. Enquanto o Facebook decidiu pela remoção pelo fato de a postagem “contribuir para o risco eminente… de dano físico” (tradução livre), o Board indicou que as regras do Facebook são demasiadamente vagas neste ponto, sugerindo a criação de regulamento específico para a desinformação relativa à saúde.

O Board reverteu a decisão do Facebook de remover uma postagem em que o usuário atribuía incorretamente uma citação a Joseph Goebbels, Ministro da Propaganda do regime nazista. A citação dizia, em linhas gerais, que se deve apelar às emoções, não a argumentos intelectuais. O usuário havia se utilizado da frase para falar de Donald Trump dois anos antes e compartilhou a postagem usando a função “Memórias” do Facebook. Mais uma vez, o Board decidiu que os termos do Facebook eram demasiadamente vagos, e portanto não era possível aos usuários ter clareza das regras aplicáveis.

O Board reverteu a decisão do Facebook de remover uma postagem de um usuário no Brasil, que havia postado uma foto no instagram com título em português e o objetivo de chamar atenção para a questão do câncer de mama durante o Outubro Rosa. A postagem continha fotos de seios e mamilos de diversas mulheres que demonstravam sintomas do câncer de mama, e continha descrições dos respectivos sintomas. A postagem foi removida por um sistema automatizado de verificação do Instagram com base nos termos de nudez adulta e atividade sexual, decisão que foi classificada como errônea pelo Board. Após a data de seleção deste caso, o Facebook restaurou o post na plataforma, mas o Board entendeu que havia validade em dar continuidade à análise do caso. A decisão concluiu haver exceção de aplicabilidade dos termos de nudez vinculado à campanha de conscientização sobre doenças.

Em seus seis primeiros casos, o Board confirmou apenas uma decisão do Facebook.

Isto ocorreu em relação a uma postagem de novembro de 2020 na qual o usuário publicou fotos históricas de uma igreja em Baku, Azerbaijão. O texto inflamava uma disputa histórica entre Azerbaijão e Armênia, e foi publicado durante um conflito armado entre os dois países. Especificamente, o usuário sugeria que armenos construíram a região e que o azerbaijão constantemente destruía seu patrimônio cultural. A publicação foi vista mais de 45 mil vezes. A decisão de retirar a publicação do ar foi confirmada pelo Board, com base nas regras sobre discurso de ódio do Facebook.

O Board reverteu a decisão do Facebook de retirar do ar uma publicação contendo duas fotos de uma criança síria de etnia curda, que se afogou na tentativa de chegar à Europa em setembro de 2015.

As fotos foram acompanhadas de comentários depreciativos a muçulmanos, e sugeriam que casos de extremismo diminuem a empatia pela criança síria que havia falecido. Apesar do Board ter reconhecido que os comentários podiam ser considerados ofensivos, não atingem o nível necessário para serem reconhecidos como discurso de ódio.

Ainda que a questão não tenha sido decidida no mérito, o Board aborda com clareza uma das limitações de seu poder decisório. A publicação em questão tratava de uma captura de tela de dois tweets do antigo Primeiro Ministro da Malásia, Dr. Mahathir Mohamed, comentando atos de violência de muçulmanos na França. A publicação não trazia qualquer descrição, resumindo-se a reproduzir o comentário do Primeiro Ministro. A decisão de não emitir uma opinião sobre o caso foi baseada no fato de que, a seção a ser analisada no caso era um comentário na referida publicação. Com a deleção do post original, o caso pedeu o objeto.

Outros casos estão em curso, incluindo a decisão do Facebook de suspender de maneira indefinida as contas do ex-Presidente estadunidense. O Board continuará atuando e supervisionando as decisões do Facebook, e seus primeiros casos já indicam movimento no sentido de trazer maior clareza às regras aplicáveis em sua plataforma. A agenda do Oversight Board pode ser acompanhado pela sua página dedicada, na qual há atualizações constantes sobre novos casos para comentários, e decisões recentes.

 

Originalmente publicado em JOTA.

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