Uso de sistemas de Inteligência Artificial no dia a dia da Advocacia

*Recurso de imagem obtido a partir do site Freepik.com

Foi recentemente disponibilizada pela Corte Interamericana de Direitos Humanos (‘CtIDH’) uma base de dados acerca de sua jurisprudência[1], que compila precedentes desde casos contenciosos a opiniões consultivas. Ao comunicar à imprensa o lançamento[2] da plataforma, foi dado destaque ao emprego de tecnologias de Inteligência Artificial (‘IA’) no desenvolvimento da base de dados, que passa a ser mais uma das ferramentas que fazem uso desse instrumento e compõem o quotidiano das mais variadas atividades e mercados nos tempos atuais.

Tecnologias de IA têm ganhado destaque com sua incorporação às mais diversas esferas. Após sua ascensão e popularização, tem crescido a integração de tais ferramentas no modo como nos informamos, como nos comunicamos e como exercemos variados ofícios. Nesse contexto, a advocacia e o mundo jurídico, pouco surpreendentemente, também têm presenciado mudanças com a introdução de novas ferramentas que usam diferentes aplicações de inteligência artificial.

Um dos mais comuns questionamentos quando se fala da influência de tecnologias no exercício de diferentes profissões, diz respeito à apreensão quanto à possibilidade de sua proliferação acontecer em detrimento ao trabalho humano; ou seja, a desconfiança de que a expansão das tecnologias implique a restrição da atividade humana em determinado setor. Contudo, “objetivo não é substituir agentes inteligentes mas propiciar ferramentas computacionais para potencializar sua atuação”[3]. Assim, tal ajuste não implica a substituição do profissional jurídico pela inteligência artificial: apesar da amplitude e excelência que tais instrumentos alcançam, subsistirá a necessidade de formas de supervisão ou revisão do trabalho realizado, em maior ou menor medida, por algoritmos aplicados ao exercício dessa atividade profissional, do levantamento de precedentes de tribunais ao redor do país à efetiva elaboração autônoma de peças processuais.

Contudo, superada essa inquietude, profissionais do Direito passam a ter à sua disposição diversas tecnologias que efetivamente alcançam seu propósito de beneficiação e apoio às atividades da advocacia. Lawtechs – termo empregado para referir-se a companhias que desenvolvem produtos ou serviços de natureza tecnológica na área jurídica[4] – contam com variedade adequada às inúmeras possibilidades de desenvolvimento de algoritmos e inteligências artificiais, e suas atividades abrangem os mais diferentes campos da atividade jurídica, com companhias cujos serviços podem ser voltados à criação de redes de profissionais jurídicos; ao monitoramento e à extração de dados públicos, publicações e andamentos processuais; à automação de documentos jurídicos; à criação de portais de informação e conteúdo jurídicos; e à compilação e análise de precedentes para elaboração de relatórios de jurimetria[5]/[6] – e tal é, justamente, a natureza da base de dados há pouco disponibilizada pela CtIDH.

A publicação dessa nova ferramenta por parte da Corte Interamericana a torna um de inúmeros tribunais que já fazem uso de inteligências artificiais para o aprimoramento de seus serviços mundo afora. De acordo com estudo realizado pelo Conselho Nacional de Justiça[7], à data de sua publicação (junho, 2022) havia mais de 110 projetos com o uso de inteligências artificiais desenvolvidos ou em desenvolvimento no âmbito de tribunais ao redor do país[8]. O Superior Tribunal de Justiça (‘STJ’), por exemplo, conta em seu bojo com sistemas que incluem a análise prévia e automatizada de dispositivos constitucionais suscitados como fundamentos de recursos especiais, identificação de processos que podem ser submetidos ao julgamento sob rito dos recursos repetitivos, além de mecanismos de extração de referências legislativas e jurisprudenciais[9]. Ademais, Fundação Getúlio Vargas, por meio de seu Centro de Inovação, Administração e Pesquisa, Caroline Somesom Tauk e o Ministro Luis Felipe Salomão[10] também endereçaram as ressalvas a respeito da possibilidade de substituição de profissionais por essas inteligências artificiais e, vez mais, o entendimento é o de que o uso de sistemas de inteligência artificial se dá concomitante e complementarmente à atividade de profissionais humanos, e não em substituição a esses[11].

Por isso, o que se verifica é que, assim como em outros setores profissionais e esferas da vida privada, a tecnologia, inclusive de sistemas de IA, se soma à atividade humana no quotidiano da advocacia, em parceria da qual podem advir vantagens de natureza diversa. Em um ambiente cada vez mais competitivo e no qual emergem casos progressivamente mais complexos, a adaptação ao futuro que hoje vivenciamos é igualmente necessária.

 

[1] Para acesso à base de dados, vide: https://jurisprudencia.corteidh.or.cr/. Acesso em 03 nov. 2023.

[2] Para o comunicado de imprensa referente à base de dados, vide: https://www.corteidh.or.cr/comunicados_prensa.cfm?lang=pt&n=1979. Acesso em 03 nov. 2023.

[3] Inteligência Artificial e Direito (Juliano Maranhão) https://cnmp.mp.br/portal/images/Congresso/8congresso/MPFAILaw.pdf. Acesso em: 06 nov. 2023.

[4] Nesse sentido, vide: MACIEL, Fabianne Manhães. Inteligência artificial no mundo jurídico. Universidade Federal Fluminense, 20 out. 2020. Disponível em https://direitodofuturo.uff.br/2020/10/20/inteligencia-artificial-no-mundo-juridico/. Acesso em 06 nov. 2023.

[5] ‘Jurimetria’ é termo que remete à análise quantitativa de tribunais e demais atos jurídicos. Nesse sentido, vide: FELIZ, Ricardo. O Judiciário e além: aplicações da jurimetria. Associação Brasileira de Jurimetria, 24 jul. 2023. Disponível em: https://lab.abj.org.br/posts/judiciario-aplicacoes-jurimetria/. Acesso em 06 nov. 2023.

[6] Para compilação de lawtechs e legaltechs associadas à Associação Brasileira de Lawtechs & Legaltechs (‘AB2L’), vide: https://ab2l.org.br/ecossistema/radar-de-lawtechs-e-legaltechs/. Acesso em 06 nov. 2023. Para aplicações posteriores da inteligência artificial no campo jurídico, vide: 4 aplicações de Inteligência Artificial na Área do Direito. Data Science Academy, 15 dez. 2022. Disponível em: https://blog.dsacademy.com.br/4-aplicacoes-de-inteligencia-artificial-na-area-de-direito/. Acesso em 06 nov. 2023; 6 EXEMPLOS de Inteligência Artificial na Justiça. Justiça Digital, Pesquisa & Desenvolvimento, 07 dez. 2018. Disponível em: https://justicadigital.com/blog/exemplos-inteligencia-artificial/. Acesso em 06 nov. 2023.

[7] Para acesso à íntegra da ‘Pesquisa IA no Poder Judiciário – 2022’, vide: https://paineisanalytics.cnj.jus.br/single/?appid=9e4f18ac-e253-4893-8ca1-b81d8af59ff6&sheet=b8267e5a-1f1f-41a7-90ff-d7a2f4ed34ea&lang=pt-BR&theme=IA_PJ&opt=ctxmenu,currsel&select=language,BR. Acesso em 07 nov. 2023. Para breve análise dos resultados da pesquisa, promovida pelo próprio CNJ, vide: MAEJI, Vanessa. LEAL, Márcio. Justiça 4.0: Inteligência Artificial está presente na maioria dos tribunais brasileiros. Conselho Nacional de Justiça, Notícias CNJ, 14 jun. 2022. Disponível em: https://www.cnj.jus.br/justica-4-0-inteligencia-artificial-esta-presente-na-maioria-dos-tribunais-brasileiros/. Acesso em 07 nov. 2023.

[8] O CNJ mantém programa, no âmbito do qual foi realizada a pesquisa acerca da IA no Poder Judiciário (vide, supra, nota 07), em que promove o acompanhamento e análise das relações do Judiciário para com as novas tecnologias do Direito 4.0. Para a íntegra do sítio do programa Justiça 4.0, vide: https://www.cnj.jus.br/tecnologia-da-informacao-e-comunicacao/justica-4-0/. Acesso em 07 nov. 2023.

[9] Tais sistemas, já em pleno uso pelo Tribunal, são, respectivamente, ‘Sócrates’, ‘Athos’ e ‘e-Juris’. Nesse sentido, vide: Inteligência artificial está presente em metade dos tribunais brasileiros, aponta estudo inédito. Superior Tribunal de Justiça, 09 mar. 2021. Disponível em: https://www.stj.jus.br/sites/portalp/Paginas/Comunicacao/Noticias/09032021-Inteligencia-artificial-esta-presente-em-metade-dos-tribunais-brasileiros--aponta-estudo-inedito.aspx. Acesso em 07 nov. 2023.

[10] Para acesso à mais recente edição relatório, vide: SALOMÃO, Luis Felipe; TAUK, Caroline Somesom; et al. Inteligência Artificial: tecnologia aplicada à gestão dos conflitos no âmbito do Poder Judiciário brasileiro. 3ª ed. Rio de Janeiro: FGV, 2023. Disponível em: https://ciapj.fgv.br/sites/ciapj.fgv.br/files/relatorio_ia_3a_edicao_0.pdf. Acesso em 07 nov. 2023.

[11] Nesse sentido, vide: SALOMÃO, Luis Felipe; TAUK, Caroline Somesom. Objetivos do sistema de inteligência artificial: estamos perto de um juiz robô? Consultor Jurídico, 11 mai. 2022. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2022-mai-11/salomao-tauk-estamos-perto-juiz-robo. Acesso em 07 nov. 2023.

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