
A Diretiva Europeia sobre Alegações Ambientais e seus efeitos assimétricos
Originalmente publicado em JOTA.
As chamadas green claims — alegações ambientais utilizadas para comunicar atributos sustentáveis de produtos e serviços — tornaram-se elemento central da estratégia comercial de empresas que buscam se posicionar diante de um consumidor cada vez mais atento às externalidades ecológicas de suas escolhas.
Essas alegações podem se materializar por meio de selos de certificação, marcas, imagens ou expressões como “carbono neutro” e “sustentável”. No entanto, seu impacto depende da credibilidade e verificabilidade das informações veiculadas, sob pena de se degenerar no chamado greenwashing— prática de marketing enganosa que simula responsabilidade ambiental sem lastro fático, ou seja, sem os reais investimentos em uma cadeia produtiva sustentável.
Diante da proliferação de alegações infundadas e da fragmentação de selos — mais de 230 apenas na União Europeia —, a Comissão Europeia apresentou, em 2023, a proposta de Diretiva sobre Alegações Ambientais (Green Claims Directive).
A proposta estabelece critérios rigorosos para o uso de declarações ecológicas, exigindo comprovação científica abrangente, transparência metodológica e verificação por terceiros independentes. Termos abertos, como “ecofriendly” ou “verde”, tornam-se vedados na ausência de comprovação clara, assim como promessas baseadas exclusivamente em compensação de carbono.
Embora louvável em seu intento de combater o greenwashing e fomentar escolhas informadas, a GCD pode produzir efeitos desproporcionais sobre países em desenvolvimento, em especial exportadores como o Brasil.
O novo regime se soma a outros instrumentos europeus — como o Carbon Border Adjustment Mechanism (CBAM), a Renewable Energy Directive (RED) e o Regulamento de Desmatamento (EUDR) — formando um complexo normativo que impõe obrigações de rastreabilidade, certificação e comprovação ambiental frequentemente alheias às capacidades institucionais, técnicas e financeiras de pequenos e médios produtores do Sul Global.
No caso brasileiro, onde cerca de 13% das exportações têm como destino a UE, os custos de conformidade incluem auditorias internacionais, adaptação tecnológica e aquisição de créditos de carbono no mercado europeu. Segundo estudo da Boston Consulting Group (2023), a conjugação das exigências do CBAM e do EUDR pode provocar uma retração de até 35% nas exportações agrícolas brasileiras para o bloco, com potencial eliminação de mais de 20 mil empregos.
Há, também, implicações geopolíticas e jurídicas desse arcabouço regulatório, discutidas durante o painel “Sustentabilidade e Tecnologia: Impacto das normas Green Claims na Inovação”, realizado no FIB15, com participação de Josie Menezes, Julia Cruz e Christian Perrone.
Por exemplo, há lacunas técnicas na elaboração de normas europeias de sustentabilidade — como a exclusão da Caatinga e do Cerrado, zonas de alta pressão antrópica, das definições europeias de floresta — e assimetrias entre as exigências normativas e as especificidades dos biomas e da matriz energética brasileira, majoritariamente renovável.
Qualificou-se esse processo, muitas vezes alheio às necessidades dos países do Sul Global, como “colonialismo verde”, chamando atenção para a concentração das entidades certificadoras no Norte Global e para a opacidade das cadeias produtivas que, mesmo certificadas, continuam envolvidas em violações ambientais e trabalhistas.
O resultado é, muitas vezes, a criação de um falso dilema: os altos custos e barreiras de entrada ocasionados por uma norma como a GCD são reais, mas os ganhos em sustentabilidade por vezes são incertos.
Ademais, a exigência de certificações rígidas tende a favorecer empresas consumer-facing e com estrutura globalizada, enquanto penaliza cadeias mais opacas ou empresas voltadas a setores menos visíveis. Por isso, é necessário ir além da rotulagem e adotar uma abordagem sistêmica que inclua tanto a sustentabilidade da tecnologia quanto o uso da tecnologia para promover a sustentabilidade, considerando todo o ciclo de vida do produto.
Em contraste com a aposta europeia na certificação privada, o Brasil dispõe de instrumentos normativos robustos, como a responsabilidade objetiva ambiental, consagrada na doutrina do risco integral. A efetiva implementação dessas normas, aliada à fiscalização pública direta, pode constituir alternativa mais eficaz e justa à simples internalização de exigências externas.
Diante disso, a efetividade da Green Claims Directive dependerá menos de sua rigidez formal e mais da sua capacidade de reconhecer a diversidade de contextos produtivos. Sem medidas de transição, suporte financeiro e mecanismos de diferenciação positiva para exportadores vulneráveis, a diretiva corre o risco de se transformar em barreira técnica disfarçada de política ambiental.
Para evitar que a regulação das alegações ambientais reforce desigualdades estruturais, será necessário construir soluções multissetoriais e inclusivas, que conciliem integridade ecológica com justiça econômica.
Referência: Legal Wings Institute. Green Claims Report: Impacts of European Union’s Regulations on Brazil. 2023