Fusões Conglomerais: Mercados Tradicionais e Digitais

O Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE) lançou o documento de trabalho denominado “Fusões Conglomerais: Teorias do dano e jurisprudência do CADE entre 2012 e 2022". O estudo foi organizado pelo Departamento de Estudos Econômicos (DEE) e aborda as teorias do dano em fusões conglomerais utilizadas nas análises de ato de concentração pela autarquia em mercados tradicionais e em mercados digitais, trazendo uma sessão específica para análise empírica de casos analisados pelo CADE.

Fusões conglomerais geralmente ocorrem quando determina empresa deseja expandir sua atuação e entrar em um novo mercado (seja do ponto de vista de um novo produto ou um novo mercado geográfico). Na prática antitruste atual, as fusões conglomerais costumam receber menos atenção das autoridades concorrenciais: como, em princípio, elas não implicam concentração ou um potencial fechamento de mercados, a teoria antitruste tradicional geralmente lhes devota muito menos preocupação.

O estudo revisita as teorias tradicionais do dano decorrente de efeitos conglomerados, as quais passaram a se desenvolver a partir da emergência de grandes conglomerados empresariais. Dentre as teorias tradicionais, segundo o texto, aquela que seria mais utilizada pelo CADE em suas análises seria a baseada na atuação transversal das empresas, onde uma empresa poderia empregar seu poder em um mercado específico para alavancar sua participação em um mercado secundário, principalmente quando se trata de bens ou serviços complementares ou relacionados, por meio de condutas de venda casada (tying) e em pacote (bundling). Além disso, o estudo também aponta outras teorias de dano conglomerais, ainda que com efeitos menos claros sobre a concorrência, como o aumento do poder econômico, o fortalecimento de marcas e o aumento da concentração agregada.

Uma contribuição de grande relevância trazida pelos estudos diz respeito aos efeitos conglomerados na era digital. Esses mercados se apresentam como um desafio para as análises tradicionais, na medida que se apresentam como mercados de “custo-zero” e dificultam a aplicação de teorias com base em efeitos de preço para o consumidor, exigindo outros parâmetros para análise como qualidade do produto e, em alguns casos, possíveis danos à privacidade. 

Segundo o texto, os mercados digitais possuem economias de escopo geradas com a exploração de ativos intangíveis e compartilháveis que servem de suporte à oferta indistinta de múltiplos produtos em mercados digitais diferentes. Há ainda sinergias de consumo, o que significa que o consumidor é atraído para permanecer em uma mesma plataforma e utilizar diversos produtos e serviços dela. Esses fatores favorecem o surgimento de conglomerados digitais com amplos portfólios.

Assim como o surgimento de conglomerados empresariais abriu as discussões para os efeitos dessas fusões, o surgimento de conglomerados digitais serve de fonte para o avanço de teorias do dano na revisão de fusões, com início principalmente na Europa. Os principais riscos identificados seriam killer acquisitions, vendas casadas e diminuição da concorrência em mercados adjacentes.

Por outro lado, o estudo destaca que a intervenção antitruste envolve a avaliação de um trade-off entre variáveis de difícil mensuração como as eficiências imediatas e de longo prazo. De todo o modo, a análise antitruste poderia investigar o mercado relevante para avaliar mais detalhadamente a dinâmica competitiva de fusões conglomerais, levando em conta aspectos dinâmicos da inovação e dos efeitos em mercado digitais interrelacionados.

Desse modo, a publicação do CADE revela que a literatura antitruste tem se interessado cada vez mais em como os ecossistemas digitais podem implicar a necessidade de rever metodologias tradicionais da análise concorrencial. Apesar de reconhecer que na prática as autoridades da concorrência raramente adotaram essas novas teorias de danos, o estudo destaca um novo olhar da autoridade sobre mercados digitais e sua dinâmica particular. O CADE ainda não lidou com muitas fusões conglomerais envolvendo mercados digitais, já que a maioria destas não foi notificada no Brasil. Contudo, é provável que nos próximos anos este tipo de análise se torne cada vez mais comum – e cada vez mais complexa.

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