CADE aprova parceria firmada entre Disney e Epic Games
*A imagem utilizada nesse artigo foi criada por uma inteligência artificial generativa.
**Originalmente publicado em Conjur.
O Conselho Administrativo de Defesa Econômica (‘Cade’) publicou recentemente seu Parecer pela aprovação do Ato de Concentração[1] referente à Operação entre Epic Games (‘Epic’) e o Grupo The Walt Disney Company (‘Grupo TWDC’ ou, simplesmente, ‘Disney’), avaliada em US$ 1,5 bilhões.
A operação em questão envolve a compra de uma participação minoritária no capital social da Epic Games, Inc. pela Accelerator Investment, LLC, que faz parte do Grupo TWDC. O objetivo principal dessa aquisição é fomentar uma colaboração entre a Epic Games e a Disney Interactive, esta última também pertencente ao Grupo TWDC, com vistas ao desenvolvimento de um inovador universo de jogos, chamado ‘Disney Ecosystem’. Tanto o Grupo Disney quanto o Grupo Epic[2] geraram receitas acima dos limites de notificação obrigatória estipulados pelo artigo 88 da Lei nº 12.529/2011,[3] razão pela qual a transação foi notificada ao Cade no começo de março, seguindo o procedimento sumário. No dia 21 de março, a Superintendência-Geral do Cade emitiu Parecer[4] favorável à aprovação da Operação, sem impor restrições, ensejando a publicação de Despacho[5] confirmando esta decisão.
Conforme informações oficiais disponibilizadas ao início de fevereiro no sítio eletrônico da TWDC,[6] a celebração da parceria entre a Disney e a Epic Games permitirá a criação de um universo por meio do qual usuários poderão “jogar, assistir, comprar e interagir com conteúdo, personagens e histórias da Disney, Pixar, Marvel, Star Wars, Avatar e outras. Jogadores, gamers e fãs serão capazes de criar suas próprias histórias e experiências, expressar seu entusiasmo de uma maneira típica da Disney, e compartilhar conteúdo uns com os outros da maneira que amam” (tradução nossa).[7] Esta colaboração será viabilizada através do Unreal Engine, um software desenvolvido pelo Grupo Epic.
No Brasil, o Grupo TWDC tem atividades que dizem respeito i) à distribuição de obras audiovisuais cinematográficas, ii) à programação de canais de televisão por assinatura (Serviço de Acesso Condicionado), iii) à operação de plataformas de vídeo sob demanda (VOD), por meio de seus serviços Disney+ e Star+, e iv) ao licenciamento de propriedade intelectual, tais quais filmes e personagens, para a produção e comercialização de bens de consumo por parte de terceiros. O Grupo desempenha, ademais, atividades na indústria de vídeo games, mediante desenvolvimento e publicação de catálogo de jogos próprios, e pelo licenciamento de direitos de Propriedade Intelectual para a publicação de jogos eletrônicos (e.g. Star Wars) por parte de companhias terceiras.
O Grupo Epic se destaca no setor de entretenimento digital, atuando principalmente no desenvolvimento de softwares para jogos eletrônicos e na operação de marketplaces online para ativos digitais. A Epic Games, parte do grupo, é responsável por sucessos como Fall Guys, Rocket League e Fortnite. Além disso, o grupo investe no desenvolvimento de outros softwares, como Postparty e Reality Scan, que auxiliam na criação de conteúdo para jogos e outros campos, como arquitetura e animação. O Unreal Engine, também detido pela Epic, é uma de suas ferramentas mais versáteis e é usada em várias indústrias para criar simulações realistas e conteúdo digital 3D. O grupo gerencia, ainda, plataformas de vendas, como o Unreal Engine Marketplace e a Epic Games Store, expandindo seu alcance no mercado digital ao disponibilizar jogos e ativos digitais.
Ao analisar os setores de atuação tanto do Grupo Epic quanto do Grupo TWDC, a SG identificou que a aquisição resulta em sobreposições horizontais nos mercados de i) desenvolvimento e publicação de videogames; e de ii) licenciamento de Propriedade Intelectual para uso em bens de consumo. Conforme o artigo 8º da Resolução Cade 33/2022, o enquadramento no rito sumário se dá nos casos em que, em sobreposição horizontal, não se ultrapasse os 20% de market share (inciso III).
No âmbito da condução de sua análise, a SG opta por agrupar, em um só mercado relevante (sob dimensão produto), as atividades de desenvolvimento e de publicação de jogos, uma vez que as próprias partes publicam os jogos que desenvolvem, e “nenhuma delas oferta serviços de desenvolvimento de jogos a terceiros no curso normal de seus negócios.” (Parecer, §23). Nesse sentido, houve a consideração do mercado de publicação de videogames sob os cenários de segmentação de acordo com os dispositivos nos quais seriam veiculados. Em dimensão geográfica, o mercado foi considerado sob os cenários mundial e nacional.
Em análise do market share conjunto das Requerentes no mercado de publicação de vídeo games, a partir de dados fornecidos pelas próprias partes a Superintendência-Geral identifica que, em todos os cenários analisados, a participação não ultrapassa o marco de 20% – presumindo-se, assim, a inexistência de posição dominante e de possibilidade de exercício de poder de mercado. A SG, ademais, conduz a mesma investigação tomando como parâmetro as informações apuradas quando da análise do Ato de Concentração referente à aquisição, também relevante à indústria de videogames, da Activision Blizzard por parte da Microsoft.[8] Sob quaisquer dos cenários analisados, a participação conjunta das requerentes é inferior a 20%.
O mercado de licenciamento de Propriedade Intelectual para bens de consumo foi caracterizado como aquele em que marcas e imagens de determinadas entidades são licenciadas para seu uso por terceiros em produtos de consumo. Em reafirmação de seus precedentes, o Cade definiu o mercado relevante como “aquele no qual são negociados direitos para a utilização, por terceiros, de marcas e imagens para exploração econômica em produtos, serviços ou peças de comunicação promocional ou publicitária”, em dimensão geográfica de abrangência nacional. O Grupo Epic conduz neste mercado atividades no mercado upstream (detentora de direitos de Propriedade Intelectual licenciados a terceiros) e no mercado downstream (utiliza-se de ativos intelectuais licenciados na criação de jogos). Mesmo antes da Operação notificada, o Grupo Disney já licenciava ativos intelectuais para a utilização pela Epic Games. Após avaliação, conclui-se que a participação conjunta das partes no mercado não ultrapassa a marca de 20%.
A Superintendência-Geral do Cade identifica, ademais, que a Operação suscita integrações verticais envolvendo os mercados de i) desenvolvimento e publicação de videogames para PC pelo Grupo Disney (a montante), e distribuição digital de videogames para PC, pela Epic (a jusante); ii) licenciamento de Propriedade Intelectual para uso em bens de consumo por ambos os Grupos (a montante), e desenvolvimento e publicação de videogames, também por ambos os Grupos (a jusante); iii) licenciamento de software pela Epic (a montante), e produção de conteúdo audiovisual, parques temáticos, e desenvolvimento e publicação de videogames pelo Grupo TWDC (a jusante); e, por fim, iv) desenvolvimento e publicação de videogames e publicidade online. Conforme o artigo 8º da Resolução Cade 33/2022, o enquadramento no rito sumário se dá nos casos em que, em integração vertical, não se ultrapasse os 30% de market share (inciso IV).
Quanto aos mercados de desenvolvimento e publicação (a montante) e distribuição digital de videogames (a jusante), a SG aponta a possibilidade de sua segmentação a partir da mídia (física ou digital) pela qual o produto correspondente é veiculado, assim como em relação ao tipo de plataforma na qual se dá a distribuição. No caso sob análise, foi considerada exclusivamente a distribuição digital de jogos, sob cenários de distribuição em sentido amplo, para a todas as plataformas; exclusivamente para PCs; e exclusivamente para consoles. Em dimensão geográfica, o mercado relevante foi analisado sob os cenários mundial e nacional. A partir de dados a respeito das participações de mercado das Requerentes no pós-Operação, a Superintendência-Geral identificou que os shares se mantêm em patamar inferior a 30%.
Apesar de listá-la em seu Parecer, a SG não realizou análise das integrações verticais que poderiam estar presentes no mercado de licenciamento de Propriedade Intelectual para uso em bens de consumo (a montante), e desenvolvimento e publicação de videogames (a jusante).
Quanto ao mercado de licenciamento de softwares (a montante) e a produção de conteúdo audiovisual, parques temáticos, e publicação de videogames (a jusante), as Requerentes informaram que o Grupo Epic concedeu, previamente à operação, licenças ao Grupo TWDC para o uso de softwares, entre os quais o Unreal Engine, para a produção de ativos e conteúdos digitais em seu portfolio – inclusive com emprego no desenvolvimento de videogames, animações cinematográficas, e na criação de atrações nos parques temáticos da Disney. A SG indica que tem segmentado o mercado em categorias de softwares de aplicativos, softwares de desenvolvimento e implantação de aplicações, e softwares de infraestrutura de sistemas, todos os quais são considerados em âmbito nacional. A esse respeito, as Requerentes adotam, no sentido de fornecimento de estimativas de market share, sua definição (produto) como o mercado de licenciamento de softwares de VFX – categoria que abrangeria softwares cujo uso pode ser feito por variadas indústrias e para a criação de variados efeitos visuais, inclusive para a produção de conteúdo audiovisual e desenvolvimento de jogos. Tal definição, sob entendimento das Requerentes (raciocínio esse que foi acatado por parte da SG), ainda que indevidamente restrita, demonstraria que a participação da Epic é inferior ao patamar de 30%.
Quanto ao licenciamento de softwares no setor audiovisual e no mercado de parques temáticos, foi identificado que o Grupo TWDC não desempenha atividades no Brasil, não sendo necessário o aprofundamento a esse respeito.
Por fim, a integração vertical verificada entre as atividades das Requerentes nos mercados de desenvolvimento e publicação de videogames (a montante), e de publicidade online (a jusante), foi objeto de análise do Parecer exarado pela Superintendência-Geral. Vez mais em referência à operação entre Microsoft e Activision Blizzard, a SG esclarece que, embora não haja integração vertical ‘clássica’ entre esses segmentos em razão do vínculo existente entre tais produtos e serviços, seria razoável assumir que eventual aumento na concentração do mercado de publicação de jogos implique efeitos deletérios à concorrência também nos segmentos de publicidade online. As Requerentes informaram que o Grupo Epic não conduz atividades no segmento de publicidade online no Brasil. O Grupo Disney, por sua vez, tem atividades nesse segmento tanto no Brasil quanto internacionalmente. No entanto, em estimativa de participação no mercado de publicidade online, a SG identificou que o market share do Grupo TWDC seria inferior a 30%, indicando não haver prejuízos concorrenciais em decorrência da consolidação da Operação.
A SG promove, por fim, análise do possível efeito portfólio decorrente da Operação. Após solicitação de esclarecimentos às Requerentes por parte da SG, as companhias apontaram que as atividades principais por si desenvolvidas não possuem público consumidor em comum, não sendo usualmente adquiridas ou utilizadas conjuntamente. Ademais, os Grupos não ofertariam bens ou serviços complementares que pudessem ser comercializados conjuntamente. Por fim, para além de destacarem, vez mais, a baixa participação de mercado que alcançam nos segmentos analisados, as Requerentes indicam que há número significativo de concorrentes que oferecem produtos alternativos àqueles ofertados pelos Grupos Disney e Epic, de forma que não haveria capacidade de alavancagem de posição de um mercado a outro por meio de práticas de venda casada (tying) ou empacotamento (bundling).
Em assim sendo, considerando que as participações de mercado das Representadas, quanto a integrações verticais, se mantêm aquém do patamar de 30%; e que sua participação conjunta nos mercados considerados horizontalmente sobrepostos é inferior a 20%, a Superintendência-Geral entende que a Operação não resulta em riscos de fechamento de mercado, e tampouco acarreta prejuízos ao ambiente concorrencial.
Diante disso, a SG conclui pela aprovação, sem restrições, da Operação.
Apesar de já aprovado o Ato de Concentração por parte da Superintendência-Geral, à luz do artigo 122 do Regimento Interno do Cade, com a publicação do Despacho abre-se prazo de 15 dias para a interposição de recurso em face dessa decisão, ou para a avocação do procedimento ao Tribunal Administrativo por parte de um de seus Conselheiros. O Despacho SG nº 315/2024 foi publicado no Diário Oficial da União de 25 de março, de forma que, em não havendo interposição de recurso ou avocação ao Tribunal, a decisão transitará em julgado em 09 de abril.
[1] Trata-se do Ato de Concentração nº 08700.001385/2024-22, entre Accelerator Investments, LLC e
Epic Games, Inc. Acesso em 22 mar. 2024.
[2] Não são publicamente disponibilizadas informações referentes ao faturamento bruto do Grupo Epic no Brasil, mas o Parecer SG nº 121/2024 afirma a superação do marco de R$ 750 milhões, superando ambos os patamares que ensejam a obrigatoriedade de notificação. O faturamento do Grupo Disney atinge aproximadamente R$430,4 bilhões. Para acesso à íntegra das demonstrações financeiras do Grupo TWDC (2023). Acesso em 22 mar. 2024.
[3] Conforme modificada pela Portaria Interministerial MF/MJ nº 944/2012.
[4] Trata-se do Parecer nº 121/2024/CGAA5/SGA1/SG (SEI 1364265). Acesso em 22 mar. 2024.
[5] Trata-se do Despacho SG nº 315/2024 (SEI 1364337). Acesso em 22 mar. 2024.
[6] Disney and Epic Games to Create Expansive and Open Games and Entertainment Universe Connected to Fortnite. The Walt Disney Company, 07 fev. 2024. Acesso em 23 mar. 2024.
[7] Original em inglês. Acesso em 23 mar. 2024.
[8] Para mais informações e análise geral a respeito dessa Operação, vide: NAZARETH BUZONE, João Pedro; FICO, Bernardo; NAVAS, João. Conclusão de aquisição internacional no mercado de games. Maranhão e Menezes, 09 nov. 2023. Acesso em 22 mar. 2024.