Dados de Crianças e Adolescentes no Ambiente Digital
*Recurso de imagem obtido a partir do site Freepik.com
O contante avanço tecnológico e o surgimento de novos modelos de negócio e serviços digitais trazem tanto benefícios como desafios para crianças e adolescentes. Assim, esse cenário requer um esforço contínuo na identificação e mitigação de potenciais riscos. A Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) atualizou recentemente sua tipologia de riscos associados ao ambiente digital para as crianças, destacando a transformação de antigos problemas como bullying virtual e conteúdo inadequado, e o surgimento de novas preocupações, como a exposição às notícias falsas (fake news) e práticas comerciais enganosas. Paralelamente, o Comitê dos Direitos da Criança da Organização das Nações Unidas elaborou o Comentário Geral nº 25 no qual apresenta maneiras de os Estados implementarem a Convenção sobre os Direitos da Criança no contexto.
Neste contexto, a preservação da privacidade de crianças e adolescentes e a proteção de seus dados pessoais têm se tornado temas cada vez mais relevantes. Autoridades internacionais recomendam a adoção de mecanismos que incorporam by design a proteção do interesse dos indivíduos, garantindo o acesso facilitado à informação e transparência. Essas medidas podem envolver o desenvolvimento de interfaces simplificadas que permitam às crianças e adolescentes exercer seus direitos, o estabelecimento de configurações de privacidade mais rigorosas para esse público, a prevenção de perfilamento, dentre outros.
Dessa forma, serviços de streaming, plataformas de jogos e redes sociais têm buscado soluções de privacidade específicas para crianças e adolescentes, com a disponibilização de modos de uso exclusivos para essas categorias. No final de 2022, a Meta anunciou a implementação de novos recursos tecnológicos e configurações para proteger a privacidade de crianças e adolescentes. O investimento em soluções de segurança e privacidade tem sido visto como importante diferencial competitivo por pais e responsáveis na escolha e uso das plataformas digitais.
No Brasil, a discussão sobre privacidade e proteção de dados de menores de idade já debatia a interpretação do artigo 14 da Lei Geral de Proteção de Dados, mas em maio deste ano, a Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD) publicou seu primeiro Enunciado explicando que o tratamento de dados pessoais de crianças e adolescentes pode seguir as bases legais previstas na LGPD, desde que o tratamento seja feito no melhor interesse desses indivíduos.
A interpretação literal da legislação exigiria a obtenção de consentimento de um dos pais ou responsável legal, com algumas exceções específicas. Portanto, o Enunciado foi importante para estabelecer uma interpretação mais coerente, evitando impor regras de difícil aplicação prática para determinados serviços e negócios, ao mesmo tempo em que preserva a proteção adicional que a lei pretendeu estabelecer a essa categoria de indivíduos.
Recentemente, a ANPD publicou Nota Técnica na qual avalia o tratamento de dados pessoais pela rede social TikTok no momento de cadastro na plataforma. Entre julho e setembro de 2022, o sistema de verificação da plataforma removeu quase 50 milhões de vídeos em prol da segurança de usuários menores de idade e excluiu 60 milhões de contas de usuários identificados como menores de 13 anos de janeiro a setembro do mesmo ano. Na Nota Técnica, a ANPD considerou que atingir o melhor interessa das crianças e adolescentes não significa, necessariamente, tratar menos dados pessoais. A autoridade destacou que uma ferramenta tecnológica mais robusta e que, admitidamente, “provavelmenta trat[aria] mais dados pessoais” poderia ser mais adequada, ainda que significasse maior coleta e uso dos dados destes menores. Essa interpretação da ANPD pode embasar o desenvolvimento de métodos de verificação que sejam mais intensivos no uso de dados, ao sugerir que a minimização de informações não é um fim em si mesmo.
Ainda com relação ao Brasil, o Senado Federal está debatendo um projeto de lei (PL nº 2.628/2022) que busca estabelecer regras específicas aos produtos e serviços de tecnologia da informação direcionados ou acessados por crianças e adolescentes. O objetivo do PL é garantir a autonomia, segurança e proteção de crianças e adolescentes regulamentando o monitoramento infantil, a publicidade em meio digital, as obrigações das redes sociais e a comunicação de violações aos direitos destes menores no uso desses produtos e serviços.
À medida que novas tecnologias, especialmente a inteligência artificial, continuam a se desenvolver, surgem questões sobre como elas podem afetar a autonomia de crianças e adolescentes. Essas ferramentas podem oferecer experiências de aprendizagem e bem-estar, mas também podem gerar riscos como coleta inadequada de dados, desinformação e erros. Portanto, a regulação dessa relação deve ser constantemente avaliada por meio de abordagens multisetoriais e interdisciplinares, de forma que seja possível proporcionar os benefícios do desenvolvimento do ambiente digital minimizando os riscos que são associados a ele.
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